Oi deusas, o texto desta newsletter é intenso como a Lua minguante no céu neste meio de outono. O reencontrei depois de um sonho desta semana e senti de compartilhar com vocês, nele falo sobre a deusa Lilith. desfrutem.
LILITH
A sombra, o lado contrário, aquela que foi relegada à obscuridade e ao exílio. Lilith surgiu na minha vida quando eu estava iniciando o primeiro círculo de mulheres nos mistérios do feminino*, depois de cinco meses de imersões, saberes ancestrais e plantas de poder chegou o momento do encontro final, do rito iniciático e do mergulho na floresta subterrânea do feminino, foi nesse momento que Lilith se apresentou. Com pequenos sinais, sutis e profundos.
Ao mesmo tempo em que a imagem dela foi emergindo de meu inconsciente para o consciente, seus elementos foram sincronicamente surgindo e seus direcionamentos foram sendo passados com muita amorosidade.
Lilith é aquela que foi renegada ou marcada por não submeter sua sexualidade ao homem.
Deusa suméria foi incorporada na cultura cristã-patriarcal como um demônio, como uma força do mal que deve ser evitada.
Na verdade sua história é a história de todas nós, é uma história de insubordinação às regras que oprimem a expressão do feminino no mundo.
Lilith escolheu viver sozinha, entre as ervas e animais selvagens na floresta ao invés de se submeter aos desejos infantis do homem que deveria ser seu companheiro mas estava sendo o algoz de sua vida criativa, exigindo que ela agisse sexualmente de acordo com os seus desejos, se deitando sobre ele no ato sexual. E ela disse não.
Uns contam que ela foi expulsa do paraíso, eu prefiro a versão da história em que ela mesma partiu.
Escrevo essas palavras e sinto sua dor. a dor de ir embora de seu próprio lar para ser livre, a dor de amar e não ser respeitada como igual por este amor. sinto também a sua força, a sua coragem e sua sabedoria por saber que sua própria integridade é mais importante do que qualquer relacionamento, sinto seu poder em reconhecer a sexualidade como expressão genuína de sua essência e sinto seu desejo na expressão dessa força de vida de forma livre.
“Ou é assim, ou eu morro” ela sussurra em meu ouvido.
Quando nos submetemos, parte nossa morre. Quando dizemos sim querendo dizer não, quando dizemos não querendo dizer sim, parte nossa morre.
Aprisionamos o poder da sexualidade em caixinhas que nos demandam a submissão. Introjetaram em nossas crenças e emoções profundas que apenas ao nos submetermos seremos amadas e poderemos pertencer.
Lilith nos lembra que sim, muitas vezes seremos expulsas por impor nossa verdade, que muitas vezes nós mesmas temos que sair de casa para sermos respeitadas. E que ta tudo bem, porque o feminino não deseja estar, ficar e permanecer em um espaço que não respeita o seu poder.
Lilith nos mostra que existem faces do nosso poder feminino e da nossa sexualidade que não são bem aceitas pela cultura vigente. Lilith revela que o desejo patriarcal é que sexualidade feminina seja dócil, servil e cerceada, que esteja dentro das estruturas, às mantendo.
Lilith revela o medo do outro em não ter controle sobre a força sexual do feminino, sobre o poder que a mulher exerce acerca da vida e da morte.
Lilith nos conta sobre nossos desejos refreados para caber. Nos conta sobre a pulsão selvagem do desejo sexual da mulher, que é criativo, sensorial, intuitivo.
Será que você estaria controlando seus impulsos sexuais para caber em uma caixinha cultural, se não tivesse sido ensinada? será que você tem medo de descobrir sua verdadeira força? Será que você tem medo de deixar para trás esta relação com um outre que ainda acha que tem poder sobre você? Será que você se torna dócil para não ter que ir embora?
No momento em que você permite que a mulher selvagem que existe em você se expresse livremente você vai deixar para trás o que tenta te controlar e te cercear.
Eu e Lilith desejamos que você seja livre. Que você não tenha medo da dor da despedida daquilo que lhe faz mal. Que você não tenha medo de ficar sozinha, pois sozinha você nunca estará, a deusa está sempre com você.
E se, em algum momento você já se sentiu excluída por não pertencer ou cumprir uma determinada regra social, principalmente com relação ao comportamento dócil do feminino, Lilith está com você.
Lilith compreende a sua dor, pois ela mesma já a vivenciou. E ela sabe ainda mais, sabe o poder que ela mesma encontrou ao romper com as correntes do que deve ser feito.
Não ceder a ameaças é sobre encarar o mau, olhos nos olhos, e entender que qualquer um pode te acusar de ser a origem de todo o mau quando é você que coloca os limites. quando é você que diz: isso eu não quero mais. Ou quando assume seus desejos: isso eu quero, isso é importante na minha vida, eu vou seguir do meu jeito o meu desejo sim.
Naquela cerimônia de iniciação de mulheres na floresta subterrânea lilithiana eu fui instruída a convocar o poder da serpente. Animal que, assim como Lilith, foi demonizado.
A serpente da sabedoria é a própria Lilith, ao ver uma irmã na ilusão da subserviência teve um impulso de sororidade e foi ela mesma, disfarçada, levar o fruto do conhecimento à Eva, que a partir de então passou a deter o mesmo poder que a deusa (e todas nós) - o conhecimento da vida e da morte, os véus da ilusão que a mantinham sob o comando do patriarcado-cristão foram removidos pela feitiçaria lilithana, o poder da serpente e do fruto sagrado dos mistérios femininos: a maçã.
O poder da serpente nos leva a verdadeira natureza da vida morte vida. nos leva ao conhecimento de que veneno e medicina são parte de uma mesma essência. na medida certa cada picada de dor pode ser a nossa salvação e a nossa redenção, a nossa cura. A sexualidade de todas nós mulheres contemporâneas precisa passar pelo poder da serpente.
É fato: o poder sexual feminino foi exilado** e a liberdade sexual feminina foi reprimida e marcada pela dor da culpa, da vergonha, da objetificação e muitas vezes da violência. Isso é estrutural? Sim, existe toda uma estrutura de sociedade que perpetua essa dor? Sim.
Independente disso, a responsabilidade de ir lá no fundo de nossa sombra, lá no encontro com essa dor. identificar o veneno com o qual fomos marcadas: shame, abandono, repressão, inveja, opressão, manipulação, vampirismo de nossas forças, consumo da energia vital. é totalmente nossa.
Lilith nos ensina a nos responsabilizarmos por nossas feridas, a deixarmos para trás o que nos aprisiona e adentrarmos a floresta em comunhão com a natureza que é a própria manifestação da deusa em busca do unguento, da erva, da medicina certa que vai sanar a ferida deixada pelo veneno do exílio de nossas próprias forças.
Cada experiência de abuso ou julgamento da sexualidade da mulher deixa uma marca, por vezes podemos identificar isso momentaneamente, colocar nossos limites e regenerar-nos, liberando essa marca e devolvendo o veneno a quem o colocou. Por vezes somos ingênuas demais e perpetuamos relações e padrões que vão nos ferindo e continuamos nos submetendo e nos ferindo e nos submetendo e nos ferindo. Essas deixam marcas mais profundas e necessitam de mais tempo e cuidado para serem curadas.
Lilith e o poder da serpente vem ao nosso auxílio quando necessitamos.
Lilith nos oferece a mão nos momentos em que precisamos dizer chega, basta, aqui não.
Quando precisamos dizer não para o outro ou para uma sociedade inteira e dizer sim para nós mesmas.
Lilith vem lembrar que apesar da dor lacerante não há barganha quando se trata de estar ferindo o seu poder feminino. Lilith não te dá seu poder de volta, mas ela segura a sua mão e te apoia no movimento, que você é a única que pode realizar, de tomar seu poder de volta para si. você tem autonomia e ancorada na sua autonomia retoma seu poder, aquele que nunca deixou de ser seu, e isso acontece de dentro para fora.
Os eventos externos são só um reflexo de você se assentando no trono que sempre foi seu: do feminino selvagem, do poder de mulher que é livre, sexual e expressa seus desejos.
O poder da serpente vem eu seu auxílio na hora da troca de pele. No momento em que você reconhece o fim de um ciclo, o fechamento de um portal, em que você está pronta para mergulhar na sua floresta subterrânea profunda e, ao acessar a dor da ferida, dar-lhe a medicina do amor. O amor por si mesma, o amor que Lilith teve ao escolher a si . Esta deve ser a escolha óbvia para todas nós mulheres.
Se a ferida é o abandono. Você se dá o amor que garante que você nunca vai se abandonar.
Se a ferida é a shame. Você se lembra que vergonha é um pecado criado pelo patriarcado para oprimir o seu poder e a sua liberdade e você se da o amor da aceitação incondicional da sua história, se da permissão para não julgar-se, para se lembrar de que feio e bonito é uma questão de perspectiva e ama a si mesma, você não é perfeita e nem deveria ser, ninguém é. Você se ama assim como é, com a sua história.
Se a ferida é a repressão. Você com amor cria um espaço seguro para dar liberdade ao que foi reprimido.
Se a ferida é manipulação. Você se firma com a deusa e na sua sabedoria intuitiva (que nunca pode ser enganada) quando você mantém os olhos atentos para os seus buracos internos.
Se a ferida é vampirismo. Você aprende a dizer não ao outro e ser amorosa consigo mesma a todos os momentos, nutrindo-se de si mesma e não mais doando a energia que é sua ao outro.
E assim é. nomeie a ferida e nomeie o amor que pode ser unguento e cuide de si.
O poder da serpente te ensina a desapegar da casca, da identidade, da pele que você criou para agradar o mundo e permitir, desde dentro, a expressão genuína de quem você é, a expressão livre a sua sexualidade, do seu poder visceral, do amor do profundo feminino.
Naquele ritual de iniciação eu montei um lindo altar com serpentes, maçãs, flores escuras, e diversos instrumentos de proteção na magia: adaga, ervas, sal, entre outros.
Fiz também o vinho de Lilith, um vinho com frutas, maçã, ervas de bruxaria e alguns elementos misteriosos, representando a abertura do portal dos mistérios, o acesso ao conhecimento atávico, ao poder feminino e o rompimento com os véus da ilusão e a necessidade de se adequar. todas dissemos um grande sim a nós mesmas.
Não foi um ritual fácil, tivemos sim processo de cortes e rompimentos, pois Lilith também fala sobre isso, sobre cortar vínculos que nos mantém subservientes e dentro de caixinhas. dando libertação de processos ancestrais a todas as iniciadas, que tiveram suas vidas transformadas pela força da deusa dos dez mil nomes na forma de Lilith naquela noite.
foi também um ritual lindo de encontro com o próprio poder que estava acorrentado e foi libertado naquela noite. foi sublime, poderoso e repleto de amor.
Quando sinto Lilith, sinto amor. sinto beleza. sinto poder. sim, sinto também uma certa melancolia, essa da beleza que há na solitude, em sentir a dor sem fugir dela e sim acolhê-la. como quem não exclui nem exila algo só porque não é belo. e que tem a sabedoria de dar um basta em todas as situações que ferem o poder feminino.
A expressão do poder sexual só é autêntica na medida em que há consentimento, desejo e alinhamento entre as partes. Lilith nos ensina a não dar nosso poder sexual a quem não tem continente para sustentá-lo, honrá-lo e respeitá-lo.
Lilith nos ensina a estarmos ancoradas em nossa natureza selvagem, conectada com a força ancestral da deusa, em ser conhecedora dos mistérios da noite, na selva, das ervas, da curandeira, da feitiçaria, da comunhão com os reinos naturais, animais, cristalinos, cósmicos. E nos desperta para a expressão feiticeira da sexualidade, a dançar com a serpente de dança desde as profundezas da terra ao mais elevado céu.
Lilith é uma deusa da sexualidade selvagem, aquela que te liberta para que você acesse sem julgamentos a sua sexualidade. Inclusive as sombras, as dores, as experiências traumáticas, ela te conta que ao se permitir dançar com as feridas você pode alquimiza-las com sua própria medicina no amor e libertar o seu poder sexual das amarras impostas pela cultura vigente.
“Não tenha medo de ficar sozinha, aqueles que vão embora ao se deparar com a sua verdade não merecem acessar o seu poder” - Lilith nos diz. Ela te conta que o poder sexual está naquilo que você mais teme, no que você esconde por medo de não ser aceita e amada. E ela te diz, irmã, você sempre terá o amor de Lilith, e você sempre terá o seu amor por si mesma.
Quando falo dela, quando sinto ela, sinto também o convite à subversão. Um banquete lilithiano é uma noite de prazer e deleite dos sentidos despertando o erótico, uma mistura de cabaré com bruxaria em volta da fogueira, vinho, dança e a batucada de uma casa de pomba giras do prazer.
A sua relação com o Lilith tem a ver com o seu reino ser também o da libertinagem, o submundo ético do deleite dos sentidos de desejo e excitação na terra. É permitir-se ser convidada à uma de liberdade e experimentação com uvas roxas, morangos, maçãs e chocolates. provando as delícias dos frutos do amor, do desejo despertado pela risada erótica, pela liberdade de sentir prazer sem culpa. permitir-se farejar o desejo e persegui-lo.
a relação com Lilith é um feitiço de liberdade.
Frases que ecoam a voz de lilith.
“por que não pode?”
“eu sou livre”
“nada me falta”
“não preciso dar satisfação ao homem”
“não preciso pedir permissão ao homem”
“eu cuido de mim mesma e supro todas as minhas necessidades”
“eu me uno a você porque desejo, te amo, te admiro.”
frase-manifesto lilithiano
“não devo me subordinar para ter poder. tenho meu próprio poder e escolho compartilhar com quem eu desejar. eu sou o próprio poder da deusa. sou livre, sou protegida, sou amada por mim mesma e por ela, a grande mãe.”
mais sobre Lilith
na mesma época escrevi também uma história de amor Lilithiana em seis atos, que está aqui no meu substack de textos ficcionais.
e claro, aqui está uma playlist no spotify
esse texto ressou aí para vocês? as que chegaram até o final me contem aqui nos comentários ou nas mensagens sobre como Lilith chegou por ai e se vocês curtiram esse tipo de texto mais profundo e denso. heheh
beijosss, e linda lua minguante para todas nós!